Eu penso nas páginas .pdf quando lembro que Constantin Brâncuși empilhou algumas formas modulares que, de tão idênticas, poderiam ser sobrepostas à exaustão, se assim ele continuasse. Daí o título de sua obra, imagino: era chamada de coluna infinita porque poderia sê-la, hipoteticamente; não porque já fosse.

colunainfinita.pdf é um arquivo que reunirá, sem periodicidade nem prazo de término, alguns html exportados, fotografias, fotocópias, printscreens e toda a sorte de documentos digitais de trabalhadories em luta, no campo da cultura. A costura entre seus assuntos se dará por acúmulo, sobrepondo-os. E sua infinitude, dificilmente factual, ainda assim é, como na coluna brancusiana, uma possibilidade lógica. Por tudo isso não o vejo como uma revista, nem como um livro, nem como um dossiê. O chamaria de coluna, certamente – mas não como uma daquelas colunas, de jornal.

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(organizado por mim entre 2021 e 2025)

Leitura do texto Terror: e-mail ao primeiro Seminário Internacional de Mediação Cultural do Sesc RJ durante minha participação na mesa Mediação cultural, memórias coletivas e novas dinâmicas entre arte e vida, parte do IV Seminário Internacional de Mediação Cultural do Sesc RJ, no dia 12 de novembro de 2025 no Sesc RJ. A mesa foi composta, além de mim, por Izabela Pucu e Jessica Gogan, com mediação de Wesley Ribeiro, cuja fala introdutória e ao final de minha apresentação também foram incluídas neste excerto.

Circular (cartas disponíveis ao público)



Prezado,

Favor faça uma bolinha com este papel e jogue em alguém.

Atenciosamente,


vídeo: Leka Mendes (com juan casemiro)
com Mônica Coster e Gabriel Fampa

ATOL [organização: amauri, Clara Barros, Bruno Magliari], Rua do Teatro 23, Rio de Janeiro, RJ [fotos: amauri]

Carta às cartas-de-artista

Carta apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Contemporâneos das Artes da Universidade Federal Fluminense como parte dos requisitos necessários para obtenção do título de Doutor em Estudos Contemporâneos das Artes.

“Não era o caso de tão somente escrever, já que me faltavam palavras. Comecei a deixar as falhas tomarem corpo. Não eliminei os espaços vazios entre um parágrafo e outro. Muitas vezes, aumentei eles. As rasuras, as hesitações, pus aos montes. E anotei todos os termos que encontrei, os neologismos, assim como formas outras de comunicação inventadas por cartas-de-artista, furos em postais, máquinas de queda-de-braço transatlânticos…, tentando assumir o rascunho desta mensagem que nunca tomava forma como sua forma final.”

“[…] este texto não tem em mim seu protagonista, seu único autor. A própria fabulação de uma conversa entre correspondências, independente dos artistas que as fizeram, numa conversa inacabada, dispersa, já que selvagem aos sentidos dos humanos que acreditam que as criaram e criam em todos os seus aspectos… isso conta muito mais.”

(fotos: Rafael Salim)

(nas imagens, uma impressão em papel sulfite, frente e verso, que abandonarei, um dia, no chão da central do brasil.)

Por um segundo, levar todas as pessoas que circulam na Central do Brasil, na hora do rush, para um mesmo deserto.

Alguém se acotovelando em meio a multidão, passos curtos em direção à catraca. Enquanto isso, no chão, esta impressão em papel A4, jogada na Central do Brasil, local de entroncamento de estações de trens, metrô, de uma rodoviária intermunicipal, inaugurada em 1858 no Rio de Janeiro, uma das mais massivas vias de circulação na cidade. Agora pense: foi ao longo das linhas férreas que o subúrbio do Rio se fez. Não ao redor do próprio centro da cidade, mas correndo os ferros no chão, seguindo à oeste. Talvez a Central seja tão cheia porque o Rio – mas não só ele – tenha o grosso de sua cidade cimentada num vai-e-volta. Como se o trem fosse um sofá de casa e as estradas se fizessem pracinhas possíveis. Como se o concreto caminhasse, com bueiros se movendo lentamente, edifícios se arrastando, bocejando, as calçadas indo trabalhar às cinco da manhã.

(fotos: Rafael Salim)

As próprias mãos
(um bilhete para pôr dentro da capa do celular)




É isso, botar os olhos em certas coisas, objetos sem relação entre si. O que está disposto numa mesa. Uma pedrinha no chão. Revirar o fundo da bolsa. Convidar as pessoas, talvez por uma mensagem no próprio telefone: escolhe um, só um objeto, e troca ele pelo celular que você usa. Deixa o celular no lugar de algo que caiba na mão. Vamos pra fora, longe dele. Sala fechada, tampas por cima, abandoná-lo a céu aberto, se preferir. Caminhar, e ter só isso. Uma folha seca, um pregador de roupa, olhando, lidando com ele, sentindo suas ranhuras. Depois, se quiser, volta, abre o pote, retoma o celular, ou aceita: perdê-lo. Se a gente quiser, nessa uma hora, uma hora e meia, a gente sai pra almoçar, pega em garfos, colheres, suja os dedos. Segura cédulas, um cartão do banco. Roça as unhas contra o chapisco do muro. Gira a maçaneta da porta trancada.

fotos: rennan carmo

Carta de demissão: impressão em papel sulfite, distribuída para conhecidos e desconhecidos.

Seja qual for sua queixa, tenha neste papel um suporte para sua carta de demissão. Para renunciar ao seu trabalho, ao nosso modo de viver em sociedade, ou àqueles que o cercam, não importa. Vale escrever, desenhar, perfurar a folha, desde que isso o ajude a decidir sua saída. Nego Bispo renunciou ao movimento sindical numa mensagem de próprio punho. Franz Fanon se demitiu de seu cargo em um hospital psiquiátrico com uma carta a um Ministro da Argélia. Lina Bo Bardi ajudou Rubens Gerchman a escrever uma carta de demissão que ele carregou, já assinada, durante vários anos em seu bolso. Não tenha pressa: caso queira enviar agora, faça isso, mas se preferir guardar a carta por um tempo maior, sem problemas. Não há data limite nem endereço certo. Esta convocatória não expira, não representa uma dívida com ninguém. Você saberá se afastar.    

Pesquisa: e-mail enviado para algumas bibliotecas

(dedico esta mensagem ao rafael amorim. agradeço aos seus caminhos para uma escrita escultórica)

Olá,

Meu nome é Jandir Jr. e sou doutorando no Programa de Pós-Graduação em Estudos Contemporâneos das Artes na Universidade Federal Fluminense. Minha trajetória na prática artística e na universidade tem na articulação entre o campo das artes visuais e a produção textual seu local de partida, com especial enfoque aos formatos de escrita que não se deram nos espaços expositivos, mas em livros, sites, correspondências e documentos.

Com isso, estou levantando dados de algumas bibliotecas do país, com o intuito de aferir certa qualidade que, ainda que nunca observada na literatura de referência, seria de profundo interesse às relações produtivas entre a produção bibliográfica e a do campo das artes visuais, sobretudo considerando aspectos caros à tridimensionalidade, à prática escultórica. 

Para contribuir, basta responder a este e-mail informando qual o peso total, em toneladas ou quilogramas, da totalidade de livros abarcada pela biblioteca que você representa. Caso essa medição apresente dificuldades para ser executada, também há a possibilidade de medir o peso total da instituição e subtrair a quantidade em referente às paredes, vigas e pessoal, chegando à medida exclusiva aos livros da biblioteca.

Desde já agradeço a colaboração com esta importante Instituição.

Atenciosamente,


18 de junho de 2025 às 10:47
Para: Jandir Jr. mailexpressivo@gmail.com

Olá,

informamos que não possuímos dados sobre o peso total dos livros da biblioteca, tampouco mecanismos disponíveis para realizar esse tipo de medição com precisão.

Boa sorte,


18 de junho de 2025 às 11:48
Para: Jandir Jr. @_jandirjr

quero comentar sobre um email que recebi de pesos e toneladas sabe? rsrsrsrsrsrsrs


18 de junho de 2025 às 10:08
Para: Jandir Jr. mailexpressivo@gmail.com

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18 de junho de 2025 às 10:08
Para: Jandir Jr. mailexpressivo@gmail.com

Agradecemos seu contato, para iniciarmos sua solicitação, por favor responder com o formulário preenchido no link a baixo.

Em caso da solicitação de reprodução, o usuário deverá preencher e assinar o Termo de compromisso para recebimento de reprodução digital:


20 de junho de 2025 às 07:16
Para: Jandir Jr. mailexpressivo@gmail.com

Bom dia!

Em média 3.400 kg


25 de junho de 2025 às 11:28
Para: Jandir Jr. mailexpressivo@gmail.com

Bom dia Jandir, 
Como você está?

Muita alegria recebo seu email.

Para a primeira possibilidade, a partir da pergunta: se temos, em média, 13 mil obras de arte, acredito que estamos falando de um peso estimado de mais de 19 toneladas. Confesso que, por ser da área de humanas e não ter tanta afinidade com cálculos, recorri ao ChatGPT para entender melhor.

Mas é a segunda questão que mais me intriga. Pensando na instituição, podemos partir de duas lógicas. Pela lógica arquitetônica, o prédio deve pesar mais de 10 mil toneladas, afinal, há muitas pedras e mármores que compõem o palacete. Pela lógica abstrata e simbólica, considerando a importância histórica e as paredes que foram pintadas e utilizadas por artistas ao longo do tempo, o peso é ainda mais impactante. E se imaginarmos os artistas pintando durante a contagem, o peso histórico se intensifica.

Isso nos leva a refletir: que peso é esse para o Brasil e para o mundo? O que significa, de fato, a palavra “peso”? Quando falamos dos livros, podemos pensar no peso do conhecimento. E se “peso” também pode significar força ou fardo, talvez seja necessário compreender melhor a conta e a soma que está sendo feita.

No mais, espero ter contribuído com a resposta e fico no aguardo de mais informações sobre a pesquisa.

Abraços,
Rubia Luiza
Bibliotecária.


25 de junho de 2025 às 15:37
Para: Jandir Jr. mailexpressivo@gmail.com

Boa tarde Jandir, tudo bem?

Infelizmente não temos como aferir o peso total de nosso acervo. Isso se deve principalmente ao fato de não preenchermos nenhum campo com o peso do livro durante a catalogação dos materiais (apesar de existir o campo Descrição Física, voltado mais para número de páginas, se é ilustrado e a altura dos materiais). Nosso acervo é medido apenas em sua quantidade de títulos e exemplares, conforme relatório em anexo.

Caso tenha alguma dúvida, estou à disposição para conversarmos.

(Em seg., 23 de jun. de 2025 às 12:58, XXXXXXXXXXXXXXX escreveu: Boa tarde! Encaminho para atendimento.)

Postal para dois ou mais trabalhadores conversarem

Este é um postal para dois ou mais trabalhadores conversarem. Uma carta sem envelope. Um texto exposto ao mundo. Palavras que serão acariciadas por muitas mãos. Lidas por mais do que dois pares de olhos. Mas sem paisagens impressas no verso, sem lembranças turísticas. Sua imagem será a dos vincos que ganhará ao longo do tempo. Do amarelecimento do papel. Das manchas de gordura, de café, das rasuras à caneta, de cada dedo que encostar aqui. De duas ou mais pessoas que, à distância, tocarão este papel ao longo do tempo. E, em cada rastro desses toques, uma dirá algo à outra. Em impressões digitais ou desgastes no canto da folha. Aqui, toma. Escreve algo, envia pra alguém. De mão em mão, mesmo chegando ao seu destino ou se extraviando, continuaremos nos falando. Neste cartão-postal.

[Na Área de Convivência, na Biblioteca, na Comedoria, nas imediações do Teatro, na Loja do Sesc Pompeia, cartões-postais foram postos ao longo do dia nas superfícies e nas mãos de quem estivesse sentado junto às mesas, em bancos e cadeiras. Sua paisagem não era a de uma fotografia turística; era como a impressão lenta das digitais de todos os trabalhadores que, desconhecidos entre si, convivem sem saber, dia após dia, a partir do que suas mãos tocam]

[fotos: Regiane Pinheiro / Sesc Pompeia]

Liberdade: panfletos distribuídos na rua

Eu encontrei um papelzinho no chão, impresso com a palavra liberdade. Guardei no bolso e esqueci. Poderia ter acontecido de eu pôr a calça pra lavar e nunca mais vê-lo, um papel desmanchado em sabão em pó, mas foi diferente: estava distraído quando fui pegar minha chave e encostei no aviso. Retirei ele entre meus dedos e as argolas de metal. E aí, quis caminhar entre multidões. Entrar em filas. Sentar ao lado de outros na espera de consultórios. E, com minhas próprias mãos, pôr papéis como esse nos bolsos alheios, sem perceberem.

(cheque seu bolso)

[Nos arredores e nos locais de circulação intensa do Sesc Pompeia, panfletos foram distribuídos, ao modo como são anunciados cotidianamente empreendimentos, campanhas políticas, restaurantes locais. Sua mensagem, contudo, era mais afeita às mãos que encostam sem querer ao entregar o troco, ao toque fortuito dos dedos em meio às multidões. E de como, em meio a isso, algo pode ser passado de uma para outra pessoa, num gesto furtivo.]

[fotos: Regiane Pinheiro / Sesc Pompeia]